segunda-feira, 25 de agosto de 2008

SÁBADO SOBRE A PRAÇA

Sábado quente’ nsoladarado. Após as compras, antes dos encon- tros que rolariam pelo resto do dia, me vi sozinha na praça Fulano Importante de Tal. Minha respiração ficou diferente, tão calma e compassada, os músculos do meu rosto se soltaram, ignorando qualquer tipo de máscara. Procurei um banco, à sombra meio falha de uma palmeira e sentei... ... normalmente sentada, mas havia em mim uma rigidez mística, que abriu outros olhos atrás dos olhos meus atrás dos óculos escuros. Um gato cinzento e vagabundo, do nada, desceu de uma árvore e sumiu entre os arbustos. Um casal de garotas passou abraçadas e, no meio da praça, parou para um beijo. Elas disseram alguma coisa e gargalharam. As pessoas sentam para: fumar, beber água, conversar ao celular e dar um tempo a si mesmas. A maioria utiliza a praça apenas para encurtar o caminho. De algum lado apareceu, quando virei a cabeça, uma pastora de cães: uma mendiga com um pouco mais de dez vira-latas. A praça é ampla em seu território e, com tantas árvores antigas, os carros que passam nas ruas que a ladeiam apenas fazem um som grave e constante, como se passassem todas a uma boa distância daqui. A tarde é a cor da luz sobre todas as coisas, e o calor dessa luz. A tarde refletia com insistência sobre as folhas das copas, recobrindo o verde de brilho. De um lado, o colégio estadual antigo, do outro a matriz católica, onde o sino do relógio terminou de bater três vezes. Prédios altos perfilam-se velando a praça pelas décadas que chegam e vão. Um homem sentou na outra ponta do banco, mais ao sol, sorriu para mim e depois se encolheu dentro de si. Eu sorri depois, quando ele não estava mais olhando. Pombas, em seus vôos rápidos e pesados cruzam a praça sem medo das pessoas ou de outra coisa. Chegam aos nossos pés caso um grão ou migalha se dê por percebida aos seus olhos de botão. A pastora de cães reapareceu e desapareceu, com todos os cães e algumas. Fui comprar uma água na lanchonete e voltei re-encontrando o que deixei – porque fosse o que fosse, apesar de estar em mim, pois eu estava disponível, também estava na tarde. Uma pomba das pombas de pesado vôo rasante passou rente à minha frente, com a ponta da asa roçando minha testa – recuei súbita e curta movida pelo susto e, enquanto continuava a presença mística, meu corpo formigava por conta da química do susto. Tenho notícias que essa praça, em sábados como estes, e aos domingos, tinha um lado para os negros e outro para os brancos burgueses e pobres. Estas plantas, e estas árvores, algumas muito velhas, tiveram outras praças que se esquecem sobre essa. Noto que não se consome a praça. Não estando mais tão disponível, ela nunca sairá daqui, a sua disponibilidade se apresenta quase infinita. Pouco depois fui embora desse quintal cercado de prédios. Fui embora, mas também me deixei lá, esperando o que desconheço.

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