sábado, 17 de janeiro de 2009

OS BRAÇOS

Ficou adulto como qualquer ser humano. Um adulto brasileiro, qualquer como um jovem do seu tempo. Como qualquer pessoa. No entanto, depois, quando já tinha pouco mais de vinte anos, começou a acontecer o que nunca esperaria, ninguém esperaria: seus braços começaram a envelhecer. Só os braços. O corpo permanecia jovem. E muito rápido ficavam velhos os braços. Os braços perderam a força. A pele ficou flácida, como os músculos, e enrugada, com pintas senis. Foi aos médicos, que ficaram confusos. Já só usava mangas compridas. Não quis mais amigos, nem namoradas. Não quis mais trabalhar. Os médicos queriam estudos, queriam seus braços nos anais médicos. Motivo para amputá-los não havia, tampouco um tratramento convencional, afora algumas terapias alternativas e ordinárias, sem eficácia alguma. E o rapaz estava, com isso, virando um caso. Os jornais quase chegavam a ele já, pois boatos gritavam sobre ele. Um dia fugiu. Para longe de qualquer intenção social. Passou a morar em uma ilha, no meio de um rio longe de cidades. Comia peixes, plantava hortas com seus braços muito velhos. Seus braços estavam muito muito velhos, e o corpo jovem. A vida era difícil e tranqüila na ilha sozinha. Costumava deitar em uma rede pelas tardes; às vezes ficava nela até o dia amanhecer, os braços sempre à vista. Tinha os braços não como tinha as pernas. Pareciam seres separados e mudos ao lado. O silêncio e a solidão nem de perto se igualariam ao sacrifício de conviver com outras pessoas, por isso não havia sofrimento na vastidão de mato verde fechado, com água em correnteza atravessando. O único desespero: o que aconteceria? O que o futuro descreveria da sua vida? Em uma dessas tardes, percebeu que seus braços estavam frios. A tarde quente, o corpo suando. Horas depois, os braços estavam gélidos. O resto do corpo, tão quente como a noitinha, suava. Os braços não estavam mais só velhos. Estavam mortos. Nos próximos dias, os braços ficaram inchados, a pele começou a estriar, cheirava mal, as unhas roxas. Foram dias de inferno. Ele mal comia, mal bebia, chorava rugindo quase pulando para a loucura, os urubus voando círculos no céu azul, os pardais fugindo. Demorou muitos dias para tudo aquilo anestesiar na convivência. Até que uma vez o cheiro não o perturbava mais. Estava exausto, tão exausto como se só ele estive no exército de sua bandeira, na batalha insana. Dormiu inexplicavelmente muitos dias. Quando acordou, os vermes ainda comiam restos dos seus braços, os ossos amarelos e finos, e vivos, pois, articulados, moviam-se pelas suas vontades próprias e involuntárias. Depois de um banho no rio, os ossos ficaram limpos, e não fediam mais. Não doíam, não sentiam nada, mas obedeciam como sempre obedeceram. E depois de tanto tempo, sentia alívio, um alívio tão leve que lembrava de longe... a felicidade. Esse homem ainda vive na ilha Sozinha. Não fosse lá tão longe, poderia ser visto, quase nu, remando sua canoa, lançando anzóis aos peixes, segurando sua caneca de alumínio, cavando mandiocas com seus braços, mãos e dedos de ossos.

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