sábado, 9 de agosto de 2008

A MANHÃ E O PÓ DE CAFÉ

Amanheci. Não posso dizer que não. E antes ainda de me reconciliar com a luz, chego à cozinha, procurando a panela para ferver água. A pia cheia de copos com bordas borradas de batom. Palitos de fósforos queimados, formigas procurando açucar (antes não tinha), o filtro sem água. Olhando o fogo azul do fogão, vou lembrando os compromissos do dia, os compromissos em atraso, a curva longa da vida me puxando para o futuro.
A janela, grande e carregada de luz jovem do sol, é um escancarado bom dia. Autoritária, a manhã não aceita escusa. Quem quiser recusar que feche os olhos, e espere a noite chegar.
* * *
No final da primavera, chegam os pernilongos, lembrando onde é o sertão. Voam pesados, perturbando a atenção da luz plena do dia e, à noite, mal se apagam as lâmpadas, reaparecem de seus lugares, alegres, trazendo suas presenças para os rostos que tentam adormecer, fazendo rasantes próximos às orelhas com seus "violinos finos". Não resisto: acendo a lâmpada e ascendo palmas espaçadas comemorando eu também com alegria cada fúria assassina que os aniquilam. Estes, primeiros da estação, de que vivem? Pois de fato são uma mancha negra morta, sem as explosões sanguíneas que os fazem tão fáceis vítimas de aplausos. E tenho mesmo poucas marcas na pele dessa agulhas vampiras.
Enquanto lavo as mãos, pela água gelada penso uma maldição contra esses seres negros da leveza.
A gente reage, mas a natureza sempre lembra e resolve alguma submissão, para sabermos que não somos perfeitos. Tudo o que a gente pode é tentar. E atentamos contra os limites da natureza. É beligerante ser divino.
*
Mas já que amanheci, convém não lembrar a noite.

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