quarta-feira, 6 de agosto de 2008

PEQUENO ENSAIO SOBRE UMA ESTRELA

Olho uma estrela no vazio. Deste lugar do quintal, uma estrela é tudo que vejo da noite e, isso sei, existe essa estrela. Ou não, se a dúvida científica eu tiver. Tão distante. Não pode me fazer mal algum. Embora nela haja força para me aniquilar ao nada. Nem alma, tendo, se salvaria. Além da existência, outra coisa dessa estrela é o impossível. Outra, o testemunho. As características, dentre outras, como existência, ela sabe, e as percebe. Será que os pássaros ou os animais olham as estrelas? Fico infantil, olhando-a. Será como uma estrela é olhada pelo olhar poderoso de uma águia; melhor: como é uma estrela dentro do olhar maravilhoso de uma águia? Fico, de fato, ingênua. E se algum animal olha estrelas, algum se deteve a olhar esta estrela que vejo? Sei que os humanóides e a humanidade resumida em meu sangue alguma vez se perderam, minutos, outros, quase loucos, horas completas vidrados nessa estrela que nem sei o nome, astrônoma que não sou, mas cosmóloga por amor às jóias celestes. Outra explosão na existência dessa luz... fragilidade. Parece tão ínfima que um sopro a apagaria, que prensada entre as unhas se perderia para sempre, um piolho às unhas furiosas. Parece que ela passeia no céu, mas é a Terra que passa por ela - tenho, não podia deixar de ser, as lições de geografia. A minha casa passa por ela. Mais uns minutos e ela se esconde atrás do muro. As estrelas se põem, sóis que são, ovos que postos são, com vida pura esperando. O escuro da madrugada, se olhado com concentração, parece ter o vazio pontilhado de zincilhões de estrelas, ou galáxias, mas tão tão tão distantes que se apagam, embora não ao ponto de fazer da noite um escuro perfeito. Estrelita! estrelinha! Minha enquanto estes instantes insistem! Treme fria quanto a chama quente de uma vela. Nela, o silêncio da humanidade passada, como o silêncio de minha infância para sempre bela e superada. Testemunhou tudo isso, sem precisar de nada. Queria viajar para ela, viajando para o nunca. Perseguir o sempre, perseguindo-a. Estrelinha viva através dos meus óculos, estrelinha derretida através da minha miopia, estrelinha a despeito de tudo, desencontrada da minha vida. Minha vida, que é tão importante para a humanidade quanto uma gota, um respingo d’água. E não obstante, o corpo não viveria sem suas células. A estrelinha é uma lágrima congelada na contemplação. Uma lágrima que não se realiza, apesar da vontade. Alto sendo o prédio, as lâmpadas da cidade são, ao longe, como estrelas e como lágrimas. E eu sou como uma garrafa vazia de vinho. Me dei a outros e nada sobrou, a não ser a inutilidade, ou um injusto enfeite.
Entre mim, a estrela e a vida: o frio da madrugada.
Eu deveria pertencer à maioria das pessoas dessa cidade, com os olhos mergulhados no sono, e o corpo esquecido no descanso. Mas algo me comove e por isso eu não me pertenço. E embora eu seja sólida na existência, como o gelo na água eu não afundo, eu não me aprofundo, e flutuo até a estrelinha que, nessa noite, se apropria de mim como a mim mesmo não me pertenço.
Apenas a respiração e as palavras me convidam. E isso é uma pobreza imensa! Volto ao quarto porque, no inverno tropical, quero calor. Me culpam essas horas inúteis. Nem uma pedra besta ao lado de uma estrada rural é inútil. No entanto, ser assim essa pedra é ser só um corpo: útil como o corpo: adubo, que faz coisas incríveis; faz as flores. E grande coisa são as flores – somente a sexualidade das plantas. Nós gostamos da sexualidade de qualquer coisa. Um buquê de sexualidade, veja o que os enamorados se ofertam, e como o fazem bem. Eu fico, realmente, infantil e ingênua. Chego à janela, atendendo ao canto de um galo quase sumido em uma galáxia invisível; a estrelinha ainda suspirou como um ponto final, e se perdeu, consumida na claridade em fogo do alvorecer.

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